Coleção.




Muitas pessoas colecionam coisas. Eu também tenho a minha coleção. Enquanto elas guardam bolas de gude, discos, moedas, gibis, sapatos, eu guardo sentimentos. Tem de todo tipo, os mais variados possíveis. Tem raiva, tem paz. Tem amor, tem ódio. Tem ciúme, tem desapego. Tem sorte, tem azar. Tem doce, tem amargo. Tem solidão, tem bastante solidão. Tem felicidade, tem tristeza. Tem sorriso, mas geralmente as lágrimas se sobressaem. Tem confiança, tem traição. Tem amizade, tem ausência. Tem esperança, tem pessimismo. Tem coragem, tem medo. Tem mais solidão. Tem paciência, tem ansiedade. Tem fé, tem desespero. Tem verdade, tem mentira. Tem beleza, tem feiúra. Tem força, tem fraqueza. Tem repulsa, tem atração. Tem piedade, tem desprezo. Tem bom e tem mau humor. Tem inteligência, tem arrogância. Tem liberdade, tem repreensão. Tem mais solidão ainda (ela comporta muito espaço). Guardo todos em prateleiras, organizando-os de acordo com o que achei ser mais ou menos importante em minha vida.
Nas prateleiras superiores sempre guardei o que havia de melhor, mas quando colocamos certas coisas muito acima de nós pode acontecer de não mais a alcançarmos ou ainda que desabem em nossas cabeças. E assim foi. Alguns sentimentos, que de tão altos, não alcanço mais, como a confiança. Outros, simplesmente caíram sobre mim e me machucaram, como a amizade. Há ainda aqueles que, de tão desgastados, não sabemos mais diferenciar se é de fato algo bom ou algo ruim, como o amor. Desse modo, as melhores prateleiras foram sendo consumidas com o passar do tempo restando assim apenas aquelas que guardavam sentimentos que são ditos como ruins. Então, saí em uma expedição em busca dos mesmos sentimentos, mas que pudessem sobrepor aqueles que se perderam no tempo, e, ao invés de achá-los, encontrei mais decepção. Quis então mudar a tática: procurar outros sentimentos que preenchessem os anteriores. No começo, os novos sentimentos até taparam o vazio, parecia ter dado certo, mas não se pode simplesmente colocar um sentimento no lugar de outro esperando o mesmo efeito. Então desisti de tentar...
Todas essas prateleiras estão em um sótão, onde há uma porta que muitos tinham as chaves e podiam acessá-lo na hora em que achassem conveniente. Os sentimentos foram partindo-se, tudo virou uma confusão só, então algumas pessoas simplesmente preferiram ir embora ao invés de arrumar o ambiente. Outras ficaram impossibilitadas de entrar. Esse sótão encontra-se do lado esquerdo do meu peito, e hoje em dia, até eu mesma que sou a proprietária, às vezes esqueço a sua existência.
Agora, cada vez mais, a bagunça parece crescer e começo a não achar mais nada dentro dele. O que antes era pura organização, hoje se tornou caos e aquele preenchimento agora é só um vazio que lateja. O coração tem dessas coisas, parece que não cicatriza nunca. E aprendi na prática o que li nos livros: o tecido nervoso não se regenera...
Posso dizer que já senti de tudo, e por ter passado por isso me perdi em meio ao que deveria me conduzir pras prateleiras boas... Agora, apenas um sentimento se sobressai aos outros: a saudade. Saudade de tudo que já senti e que ficou para trás...

E. Lins

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